quinta-feira, 18 de abril de 2013
NEGROS E AFRICANOS AMALDIÇOADOS?
Afirmações desta natureza são fruto
de leitura mal feita de parágrafos bíblicos, tomados fora do seu contexto
literário e teológico, que acabam por colaborar com os interesses de justificar
pensamentos e práticas abusivas, contrárias ao espírito da Palavra de Deus,
cujo foco está na Justiça, na Libertação e na promoção da Vida e Dignidade
Humana.
Nessa passagem Noé, embriagado,
despe-se e assim é surpreendido por seu filho Cam que, ao invés de manter a
discrição e o respeito devidos ao pai, o anuncia aos seus irmãos; estes se
recusam a ver o pai nesse estado e, sem olhar para ele, cobrem-no com uma
manta. Desperto Noé, ao saber da postura de seu filho Cam, amaldiçoa seu neto
Canaã, filho de Cam, destinando-lhe a servidão.
O equívoco em questão dá a entender
que a maldição proferida pelo patriarca bíblico contra Canaã, seu neto e filho
de Cam, atinge os seres humanos de tez negra que habitaram, originariamente, o
continente africano, o que explicaria os vários infortúnios em sua história
passada e presente, culminando no longo período em que foram feitos escravos no
Ocidente; e que o ato de Cam em ver a nudez de seu pai, mais do que um
desrespeito, indica um ato de violação sexual por parte de Cam.
Queremos salientar enfatica e
categoricamente:
1. Cam teve outros filhos: Cuxe,
Mizraim e Pute, e somente Canaã foi amaldiçoado.
2. Embora o comportamento
inadequado descrito no texto bíblico tenha sido o de Cam, filho de Noé, o
objeto específico da maldição foi Canaã, o neto de Noé. [Segundo Orígines, um
dos pais da Igreja, do século 3, Canaã foi quem avisou seu pai sobre a situação
do seu avô, publicando o que deveria ter mantido sob reserva]. Amaldiçoar, no
senso bíblico, não determina a história, mas descreve a consequência da quebra
dum princípio estabelecido pelo ato desrespeitoso; portanto, significa a
percepção de efeitos e desdobramentos de um comportamento específico. Ou seja,
a postura de Cam e de seu filho Canaã estabelece um padrão comportamental que
resultaria numa situação de inversão paradoxal, onde alguns dentre os
descendentes de Canaã se tornariam dominados e serviçais dos seus irmãos.
3. Canaã, neto de Noé, foi habitar
e estabeleceu-se na região a oeste do rio Jordão, até a costa do Mediterrâneo
(sudoeste da Mesopotâmia), onde os descendentes de Canaã desenvolveram práticas
absurdas, inclusive o sacrifício de crianças, e não no continente africano!
5. A maldição proferida sobre Canaã
pelo seu avô Noé significou uma percepção e discernimento sobre uma tendência
comportamental de um grupo humano, antevendo o resultado de uma corrupção
cultural e civilizatória específica e localizada, e em consequente servidão, e
de modo nenhum faz referência à cor da sua pele.
6. Não há nada, absolutamente nada,
nem neste texto bíblico em foco nem na Escritura como um todo, que indique
qualquer maldição sobre negros e africanos, e muito menos algo que justifique a
escravidão.
7. O texto bíblico precisa ser lido
em seu contexto imediato e considerado à luz da totalidade da Escritura, como
saudáveis práticas de interpretação bíblica nos ensinam. De acordo com o
próprio capítulo 9 de Gênesis, verso 1 e seguintes, é indicado que o desejo de
Deus e sua promessa visam abençoar, dar vida, alimento e todo o necessário para
o desenvolvimento de todos os descendentes de Noé, seus filhos e de toda a
família humana. A declaração divina de abençoar a Noé e seus descendentes é
firme e abrangente, e não pode ser contestada ou reduzida pela declaração
relativa e descritiva de Noé a respeito de seu neto.
8. Deus reafirma o desejo de
abençoar a toda a humanidade, a todas as famílias da terra, raças e etnias no
episódio descrito na sequência da narrativa bíblica, quando da vocação de Abrão
(Genesis 12), intenção que tem seu ápice e culminância na pessoa, vida e
ministério de Jesus e continuado em curso na Igreja. Em Cristo, toda maldição é
destruída e uma Nova Criação é estabelecida, sendo chamados a participar deste
novo concerto todas as nações, etnias, raças, povos e famílias de todas as
terras e da Terra toda, sendo revogadas assim todas as maldições e oferecida
salvação a todas as pessoas.
9. A alegada violação sexual de Cam
a Noé não é sustentada pelo texto. A citação do texto da lei de Moisés que
chama a violação de descobrir a nudez não dá suporte a tal alegação, uma vez
que os verbos usados são diferentes na raiz e no significado: no primeiro caso,
trata-se de observação a distância; e, no segundo caso, trata-se de ato deliberado
contra outrem.
Tal leitura equivocada da Escritura
corre o risco de ser vista como suspeita de esconder outros interesses de
natureza política, econômica e de dominação social e religiosa. Não há nenhum
apoio bíblico para defender qualquer maldição sobre negros ou africanos, que
fazem parte, igualmente e em conjunto, da única família humana.
Lamentamos o equívoco provocado por
tal vulgarização do texto bíblico, bem como a banalização quanto ao conteúdo de
nossa fé, assim como repudiamos qualquer tentativa, intencional ou não, de uso
inadequado do texto para quaisquer fins que não o de promover a vida, a
libertação e a justiça, como a própria Escritura expressa muito bem.
Brasil, 07 de abril de 2013.
Aliança Cristã
Evangélica Brasileira
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